O que escrever para a próxima coluna? Listo prováveis assuntos: o mercado de trabalho, homens que cospem catarros horrorosos pelas ruas, minha bunda, sexo sem amor, a necessidade de ter alguém pra chamar de amor. Demoro um dia inteiro para me decidir porque sou indecisa. Não me decido por nenhum porque sou possessiva e filha única: quero todos. Então vamos lá, seguindo a ordem. Existe um boato por aí que publicitário tem a vida mansa e que todos eles são meio loucos. Isso dá uma coceirinha nos estudantes que acham esse papo muito cool e se matriculam aos montes pelas faculdades do país. Sou redatora publicitária e há dois anos e meio não tenho um salário decente apesar das mais de doze horas trabalhadas por dia. Já mudei de agência seis vezes e já mudei de assunto mais de mil quando amigos e parentes perguntam por que eu não tenho um horário fixo, um salário fixo e um lugar fixo para ir todos os dias. Aturo a crise mundial, a crise do país, a crise do mercado, a crise do mercado publicitário e a crise de meia-idade de colegas de trabalho com seus leões na mesa, suas baleias em casa e a tara por jovenzinhas deslumbradas e em aprendizado. O boato da loucura é realidade, ninguém normal atura isso tudo. Quanto a ter a vida mansa, que vão todos para a merda antes que eu me esqueça. Não sei de muitas coisas nesta vida, mas aprendi que entre a paixão e o ódio pela propaganda, tem sempre um catarro. Vou andando pelas ruas pensando em todos os lados bons e ruins da minha profissão: eu crio, eu não tenho um trabalho burocrático, chato, operacional, burro, exato. Eu movimento grana, eu emociono, eu faço as pessoas rirem. Plá, uma catarrada. Eu ganho mal, me deram uma porra de um PC em vez de um Mac, eu fico muito tempo sentada e minha bunda tá horrível, plá, outra catarrada. Por que diabos esses imundos homens cospem essas melequeiras pelas ruas? Por que diabos? Por que diabos? Como eu odeio isso. ODEIO. Onde está escrito que o mundo permite essa escatologia exposta à luz do dia?
Às vezes é preciso desviar para não sentir respingarem resquícios da nojeira no peito do pé. Desejo do fundo do meu coração que todos eles sufoquem entalados com suas crias gosmentas e fiquem tão verdes quanto elas. Mas ainda mais nojento do que escutar aquela chupada suína que precede o plá da catarrada, é escutar o sugar de tesão de um escroto qualquer que você nunca viu na vida. É aquele “ssssssssss delícia”, “ufffffffffffffffff gostosa”. Não se anime não, seu neanderthal urbano, que o que você está vendo é apenas o poder de uma calça jeans caríssima, que uma redatora publicitária em começo de carreira com seu salário de merda só pode ter comprado em cinco vezes sem juros. Cê não tá vendo, querido, que por trás disso é apenas a bunda de uma redatora publicitária que sofre várias crises de mercado e não tem tempo para uma academia? Tá caída, mermão! Já não é mais a mesma. Aliás, isso me lembrou a propaganda, mas este assunto já deu. E por falar em dar... dar não é fazer amor. Dar é dar. Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido, mas dar é bom pra cacete. Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca, te chama de nomes que eu não escreveria, não te vira com delicadeza, não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom. Melhor do que dar, só dar por dar. Dar sem querer casar, sem querer apresentar pra mãe, sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo. Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral, te amolece o gingado, te molha o instinto. Dar porque a vida de uma publicitária em começo de carreira é estressante e dar relaxa. Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã. Tem caras que você vai acabar dando, não tem jeito. Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem esperar ouvir futuro.
Dar é bom. Na hora. Durante um mês. Para as mais desavisadas, talvez por anos. Mas dar é dar demais e ficar vazia. Dar é não ganhar. É não ganhar um “eu te amo” baixinho, perdido no meio do escuro. É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir. É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra dar o primeiro abraço de Ano Novo e pra falar: "Que cê acha, amor?". Dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito. Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor, esse sim é o maior tesão. Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuar o suficiente pra nem perceber as catarradas na rua.
Tati Bernardi
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