São onze da noite e ele, o Gilmar, me liga dizendo que não aguenta mais ser ignorado. Ele me quer. Agora. E está na porta da minha casa. Eu corro para fechar os trincos. Não estou mais no meu apartamento. Estou na casa dos meus avós. Fecho o portão do meio. Não estou mais lá também, estou no primeiro apartamento que morei com meus pais. Corro pra fechar a porta da cozinha também. Espio pelo olho mágico e Gilmar está de gorro. Não dá pra ver. Ele está calmo. Não grita, não bate na porta, nem aparece pelo olho mágico. Nada. A luz do corredor nem acende porque ele não se mexe. Mas ele liga de novo e avisa “chega de ser ignorado, eu vou entrar”. Ligo pra minha mãe, mas não acerto o número. De jeito nenhum. Agora vou discar com calma. 3, 8, 6, 2…não tem jeito, erro de novo. O inconsciente deixa claro: dessa vez não vai dar pra correr pra mamãe. Tento o mundo então. Abro a janela do meu quarto, que era meu quarto quando eu era criança, e grito para uma mulher na rua. Socorro. Homem tentando…tentando. Na hora que vou dizer o que ele está tentando, minha voz some. A mulher até olhou pra cima, mas desistiu. Corro e pego um papel. Mas nenhuma caneta funciona. Com muito sacrifício escrevo “homem tenta invadir minha casa”. Com o azul bem clarinho de caneta no fim. Jogo o bolo de papel que cai na cabeça de um homem que segura um bebê. Ele lê e grita “não posso fazer nada, estou cuidando do meu filho agora”. Ninguém parece dar importância. É como se, ser estuprada, assaltada, desgraçada, fosse um problema cotidiano. E os outros seguem nas ruas. Está sol. Tudo é tão calmo. Mas eu, pra variar, estou em pânico. O dia calmo, o solzinho gelado de fim de tarde que nada promete, e eu com pânico. É assim sempre e isso cansa tanto. Procuro meu Lexapro. Tomo logo 20 mg, afinal, trata-se de um estranho tentando entrar no meu apartamento. Chego na sala mais calma e ele já entrou. Mesmo com todos os milhares de trincos do mundo. Está sentado com seu gorro num canto escuro da sala. Minha cachorra não se move. Ele a matou? Matou minha cachorra? Grito “Lolitaaaaaaa” e ela se move normalmente. Ela não tem medo do Gilmar. É como se ele já morasse aqui. Tem chave e o amor da cachorra. O Gilmar não é feio não. Estamos na praia agora e eu estou cheia de picadas de borrachudo. Minha mãe liga dizendo que gosta do Gilmar. Meu avô vai dar uma volta e me deixar sozinha com ele, moço bom. Meu pai foi super com sua cara e divide um licorzinho. Mas Gilmar? Eu reclamo com ele. Mas que nominho heim? Ele diz: foca no mar e esquece o Gil. Todo mundo tem um lado bonito. Eu gosto disso. De repente, o que que é isso? Gilmar me deita no sofá e arranca minha calça e faz comigo o melhor sexo da minha vida. Calmo, carinhoso, devagar, com beijo na boca e olho no olho. Gilmar é tímido demais prum louco que invadiu minha casa. Como todo mundo pode gostar dele se ele deveria estar preso? Por que estou transando sem camisinha com um degenerado estuprador? Por que estou gostando? Gilmar, esse remédio que eu tomo, o Lexapro, me tira a capacidade de gozar. É sério. Eu até sinto tesão e fico excitada e tal. Mas gozar, demora aí umas cinco horas. Mas ele não tem pressa. E eu acabo conseguindo. E eu acho que amo o Gilmar. O cara do gorro que cansou de ser ignorado e resolver arrombar minha vida. Acordo com a blusa molhada e salgada. Mar. Só vou te chamar assim agora. Focando na parte boa. Ainda é cedo e dá pra dormir mais um pouco. Mas antes diminuo uma volta das cinco que eu dou na chave tetra da porta.
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